
 
“Só  não vê os avanços quem tem os olhos fechados e comprometidos  politicamente”. É assim que a prefeita de Natal, Micarla de Sousa (PV),  responde aos descrentes de sua administração e aos críticos que, segundo  ela, não conseguem assimilar o modelo de gestão “inovador” que tem  tentado aplicar na capital. A prefeita enfatizou, nesta entrevista dada à  TRIBUNA DO NORTE na manhã de sexta-feira, que se sente discriminada por  não fazer parte de famílias tradicionais. “Confesso que não imaginei  que poderia pagar tanto por esse fato de não pertencer a esses núcleos  já pré-estabelecidos da sociedade”. Ela trata a Comissão Especial de  Inquérito (CEI) que investigará os aluguéis da prefeitura como  politiqueira e diz que os órgãos fiscalizadores, como o Ministério  Público, atuam com “dois pesos e duas medidas”, referindo-se às  inspeções realizadas na sua administração e nas anteriores. Micarla de  Sousa tem em Dilma Rousseff uma aliada próxima. Sobre Rosalba, afirma  que entende o momento crítico, mas assegura que cobrará a parceria  administrativa.
A intenção de um modelo de gestão inovador colocado pela senhora não tem sido bem aceito. Por  quê?
Em  primeiro lugar acredito que tudo que é feito de forma pioneira causa  estranheza. Quando se quer fazer com que as coisas aconteçam, não da  forma como se estava acostumada, mas sim de uma outra forma, visando uma  melhoria, é sempre visto de uma forma equivocada e existem algumas  barreiras diante do novo. Mas o que eu tenho muito certo e firme em mim -  e tenho passado para minha equipe -, é que nós não podemos nos acomodar  de forma alguma diante de qualquer crítica. Nós estamos neste instante  atuando de uma forma pioneira, por exemplo, em relação à Saúde. Nós  tivemos a coragem de ser a única cidade brasileira a administrar uma  UPA, agora de acordo com os padrões do governo federal. Todas as outras  Upas do Brasil são administradas pelo governo do Estado. Conseguimos  implantar projetos como o do Sandra Celeste, que hoje é a única  referência pediátrica que existe em Natal, em termos de modelo público.  Temos um modelo que é bem-visto inclusive pelo próprio Ministério da  Saúde, que é o das AMEs. Nós já implantamos três e temos mais duas para  implantar no mês de agosto. Temos a segunda UPA que vai ser implantada  na Cidade da Esperança e olhe que eu só estou dando o exemplo de Saúde.  Mas eu poderia citar também aqui o exemplo das três mil famílias que têm  casa própria, o exemplo de projetos como o do Proeduc que hoje já  beneficia mais de dez mil alunos com bolsa de estudo, como eu poderia  falar de um projeto extremamente inovador e que nunca antes havia sido  pensando e tocado, que é o de Cargos, Carreiras e Vencimentos que agora  no final do mês de maio todos os servidores de Natal vão receber a  terceira parcela. 
A situação...
Agora  Natal não é uma ilha e está dentro do contexto Brasil. Um país que até  2008 tinha 23% de todos os tributos da União eram repassados para os  municípios brasileiros. Hoje, apenas 18% desses tributos são repassados  para os municípios, então todas as cidades do país sofrem com a falta de  recursos e o aumento da demanda.
E  por que mesmo diante dessas inovações a população desaprova a  administração e são tantas as interferências de órgãos fiscalizadores,  como é o caso do MP?
Eu acho que tem uma questão que  termina sendo algo que eu não costumo usar porque tenho como  característica a coragem. Mas desde que entrei para a política sabia que  o fato de não pertencer a famílias tradicionais me causaria muitos  problemas. Confesso que não imaginei que poderia pagar tanto por esse  fato de não pertencer a esses núcleos já pré-estabelecidos da sociedade.  Então isso hoje eu acho que é o que mais pesa. É o fato de ser alguém  independente, que tem o seu próprio grupo. Pertenço a um partido  político no qual tenho muito orgulho, mas que tem dimensões pequenas  diante de tantos outros, que possuem fortes estruturas. Eu não consigo  entender por que instituições sérias como o próprio MP, que reputa de  muita credibilidade, de pessoas honradas, eu não consigo entender por  que atitudes tomadas hoje na minha gestão não foram tomadas  anteriormente em outras gestões que cometeram delitos e atos que  deveriam ter provocado ações mais serias e mais duras. Vejo muito uma  situação de dois pesos e duas medidas com relação a isso. Se nós formos  analisar nos últimos anos a quantidade de informações pedidas para serem  prestadas antes da minha gestão podemos dizer que nossa demanda é dez  vezes superior. São números inacreditáveis e muitas das vezes nosso  corpo técnico passa semanas respondendo, apenas tendo essa obrigação. Eu  tenho dito que não paire qualquer dúvida, que respondam tudo que for  solicitado.
A senhora acredita estar correspondendo às expectativas?
Eu  imaginava, ainda quando candidata, que apenas com vontade política  conseguiríamos resolver as situações, mas quando assumi pude perceber  que não apenas a vontade política faz com que a máquina possa andar. E  por isso mudei o formato de gestão colocando os núcleos de gestão e  trabalhando em cima de um gabinete de gestão que tem me dado resultados  muito bons. É obvio que dizer que estou feliz e satisfeita com tudo não é  verdade. Ainda precisa avançar muito. Nós mostramos para a população de  Natal, no caso da saúde, que precisávamos resolver o problema do  pronto-atendimento com a UPA, com equipamentos no hospital dos  pescadores, com o Sandra Celeste, nós conseguimos provar que tínhamos  resultado para a urgência e emergência. Pode ir hoje no Walfredo Gurgel e  você vai ver que muitas pessoas ainda vão lá porque a Upa da Zona Oeste  ainda não foi inaugurada. E lá vai ter capacidade para 700 pessoas/dia  quando o Walfredo tem capacidade para 400/dia. 
O  modelo de gestão de parceria com o Terceiro Setor tem dado dor de  cabeça à sua gestão. A senhora continua defendendo que essa é a melhor  saída?
Defendo porque estamos atacando em duas frentes.  Primeiro trabalhando a questão do nosso servidor através do Plano de  Cargos, Carreiras e Vencimentos. O servidor da Saúde hoje já pode dizer  que tem um salário digno, que vai se aposentar com esse salário. Então  os nossos servidores estão sendo valorizados. Por outro lado, sabemos e  temos exemplos como São Paulo e Rio de Janeiro onde o terceiro setor tem  ajudado as prefeituras. E esse terceiro setor vem através de  organizações sociais sem fins lucrativos. Alguém tem coragem, por  exemplo, de chegar em uma AME e dizer que esse modelo não funciona?  Agora o que acontece é que existe uma resistência pelo novo. Mas a  população que precisa do serviço já entende, diferente de um juiz que  está em um sala em quatro paredes em cima de dados frios e técnicos.
E o que dizer das irregularidades constatadas pelo Ministério Público já na feitura dos contratos junto a essas empresas? Que tipo de irregularidade?
Antecipação de 35% do pagamento, falta de transparência em relação à publicidade do contrato...
Não foi pago nada.
O  procurador da Secretaria de Saúde confirmou que a prefeitura já é  devedora do valor por constar no contrato, independente do repasse.
Mas  não foi feito nenhum tipo de pagamento à empresa que havia sido  contratada pelo caso da dengue. É óbvio que os investimentos que foram  feitos para compra de material, equipamento do centro de hidratação, as  vans, a compra de material a prefeitura não pode passar um calote e  dizer que não está devendo nada. Mas daí a dizer que existiu  irregularidade eu desconheço qualquer tipo de irregularidade. O contrato  foi feito com base em toda uma questão técnica e jurídica. O contrato  foi desfeito porque a empresa não estava apresentando alguns itens  dentro de um contrato maior, mas isso não quer dizer que existiu  irregularidade. Apenas a prestação de serviço não estava sendo feita a  contento e no tempo que nós queríamos que fosse prestada.
É a segunda vez que o município esbarra na tentativa de implantar esse modelo de gestão. A prefeitura pretende insistir nisso?
Na  hora em que vemos uma UPA com aprovação de 98%, as AMEs com uma  aprovação de 96%, se qualquer um estivesse no meu lugar faria o mesmo.  Como dizer que o modelo não dá certo se quem precisa está aprovando?  Agora se coube a mim ter a ousadia de poder adotar um modelo  diferenciado em Natal e se toda essa gama de reclamações está vindo por  parte de um grupo que não utiliza o serviço eu acho que isso deve ser  repensado não por mim, mas por quem está tomando essas decisões. Eu  gostaria muito que as pessoas que estão tomando essas decisões como  procuradores, juízes, desembargadores, essas pessoas pudessem fazer uma  visita a esses locais, ir in loco, participar e ver como é que a  população é atendida.
Por que tanta mudança no seu Secretariado?
Quando  eu entrei na prefeitura ainda tinha o grupo dos Democratas ao meu lado,  mas eu tinha a intenção de formar um novo grupo. Então a grande maioria  dos meus secretários nunca participaram de gestão pública. Eles eram  excelentes na parte de gestão privada, já haviam trabalhando em um outro  governo  e em um outro modelo. Mas eu não vou de forma alguma, em vendo  metas que não são cumpridas, eu não tenho rabo preso com ninguém e com  nenhum grupo para ficar mantendo uma pessoa que não tem perfil e que  mostrou-se diferente daquilo que antes era mostrado. Eu questionei certa  vez ao então governador de Minas Gerais, o hoje senador Aécio Neves,  porque ele mudava tanto de secretário. Ele falou para mim que a gente  não pode ter enfado em mudar secretário porque o povo está nos pagando  para que possamos colocar pessoas que funcionem. Isso não deve ser o  mais importante. O importante é o serviço que está se prestando à  população. O que eu posso dizer que minha vida tem sido dedicada 24  horas a essa cidade que eu amo.
A senhora está admitindo que houve uma série de escolhas errôneas.
Eu  não diria que foram escolhas erradas. Eu não chegaria a esse ponto.  Foram pessoas que fizeram a sua parte, mas não eram ainda o que eu  estava imaginando. Talvez o melhor delas não fosse o que eu pretendia.  Eu tenho uma característica de cobrar muito e de acompanhar de perto a  minha gestão. Então eu volto a dizer que não me arrependo de nenhum  secretário que veio, eles deram a sua contribuição, mas eu queria mais.
A  administração passa a enfrentar problemas também com a Câmara de  Vereadores, o que culminou na viabilidade de uma Comissão Especial de  Inquérito que poderá investigar os aluguéis da prefeitura.
Essa  é uma questão mais do que normal em ano pré-eleitoral. Infelizmente no  Brasil um ano é pré-eleitoral e o outro eleitoral. E o clima de campanha  permanece o tempo todo e as pessoas se esquecem de trabalhar em prol da  cidade pela qual foram eleitos para ficar o tempo todo de picuinha e de  politicagem. Infelizmente é isso que eu vejo que está acontecendo na  nossa cidade. Porque se os vereadores que ficam tão preocupados em  encontrar problemas e defeitos onde não existe – minha gestão é  extremamente transparente – só me faz ter essa leitura. Se nós formos  analisar o maior problema de Natal em relação aos alugueis é que Natal  os gestores nunca pensaram em um Centro Administrativo. Então a cidade  não tem prédios públicos e os prédios são alugados. Mas quem inventou o  aluguel foi Micarla? Claro que não. Isso existe desde que a gestão  começou a ficar maior que o Palácio Felipe Camarão. Então essa  possibilidade de abertura de CEI eu reputo como extremamente  politiqueira e fora de tempo porque hoje o tempo é de se trabalhar pela  cidade. Onde estão os vereadores da oposição e que projetos eles têm  para mostrar a nossa cidade? Ou será que alguém é eleito para criticar?  Eu tenho muito orgulho da minha bancada na Câmara. Eu tenho um líder  como Enildo Alves, que é uma pessoa batalhadora e que sempre mostrou a  que veio. Eu hoje conto com vereadores antenados, fortalecidos e me  apoiando. Qualquer coisa fora disso eu desconheço.
A bancada independente da CMN é independente?
Não  existe bancada independente. Na época que foi falado eu particularmente  conversei com Júlio (Protásio) e com o Bispo (Francisco de Assis),  conversei com um por um e eles viram que não existia necessidade disso. E  essa bancada não existe. O que existe é a bancada de apoio à cidade do  Natal.
O que levou aliados, como o DEM, o PR e o PMN a se afastarem da sua gestão?
Você  deveria perguntar para eles, porque até poucos meses antes eu era vista  como uma boa gestora, que tinha uma gestão que estava andando, com  dificuldades, mas como qualquer outra no Brasil. Alguns componentes que  eu prefiro não falar aqui foram colocados no meio do caminho e esses  partidos resolveram sair. Agora eu acho mais interessante perguntar a  esses partidos o por que dessas decisões, porque em um tempo a gestão  era boa e tinha dificuldades e por que em outros momentos não estava  funcionando.
A senhora é candidata à reeleição em 2012?
Se  tem uma coisa que eu não falo é sobre política e nem sobre eleição.  Política ainda faz parte do meu dia a dia, mas eleição é um desserviço  que se presta à população que acabou de sair de uma eleição em outubro. A  gente está falando seis meses depois de uma eleição e antes de outra  que ocorrerá somente ano que vem. O que eu tenho que fazer e o povo me  elegeu não foi para pensar em eleição, foi para estar trabalhando. Eu  acredito que somente daqui a um ano eu posso estar respondendo essa  pergunta.
Como está a parceria com a presidenta Dilma e a governadora Rosalba?
A  presidenta Dilma tem sido de uma correção comigo e com Natal muito  grande. Ontem mesmo o ministro anunciou o Prodetur de 77 milhões de  dólares para a cidade, anunciou também uma praça que vai ser a entrada  da nossa cidade de quase dez milhões de reais. Então eu fico muito feliz  de ver essa parceria e de poder nesse instante saber que a nossa cidade  só tem a ganhar com parcerias como essa. Eu estou focada nisso e  aproveitando esse momento que Natal não teve nos dois primeiros anos. Eu  digo a mesma coisa em relação ao governo do Estado. Eu sei que a  governadora Rosalba passa por momentos difíceis e delicados como greves  explodindo, escolas fechando, a pediatria do Maria Alice sendo fechada.  Eu sei que isso é difícil, mas eu tenho certeza também que a nossa  governadora no primeiro momento também vai poder nos ajudar, através  dessa parceria. Agora o governo Federal tem sido um parceiro e mais do  que qualquer coisa tem tido um olhar diferenciado sobre Natal. Todos os  momentos que eu encontrei a presidenta ela demonstrou preocupação com a  cidade, sempre pergunta como estão as coisas, se está tudo andando. Ela  tem sido parceira de Natal e por isso eu digo que se tem algo que tenho  certeza de que foi uma decisão acertada foi ter dado o apoio a ela e  hoje fazer parte da sua base.
Já  foi resolvido o problema da inadimplência do município que tem impedido  a aprovação dos empréstimos do governo federal para as obras da Copa?
No  final de maio nós temos uma reunião com todos os prefeitos de capitais e  governadores com a presidenta Dilma. Na reunião da Frente Nacional de  Prefeitos, que eu fui terça-feira passada, o que ficou muito claro é que  todas as cidades brasileiras que estão hoje participando da Copa, com  exceção de São Paulo, estão com problemas com o Cauc (Cadastro de  inadimplência do Governo Federal). Então nós avaliados que esse problema  tem que ser levado à presidenta porque se não for devidamente resolvido  o problema da Copa fica sendo grande. Fortaleza, por exemplo, tem doze  inscrições no Cauc. Nós vamos conversar com a presidenta e mostrar a ela  que especificamente para essa questão nós precisamos encontrar uma  forma de fazer com que o Cauc não seja empecilho para essas cidades.
Maria da Guia Dantas - Repórter da Tribuna do norte